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Lúcio Gregori: Transporte público hoje tem papel segregador

Criador do projeto Tarifa Zero durante a gestão de Luiza Erundina em São São Paulo (1989-1992), quando era secretário dos Transportes, o engenheiro Lúcio Gregori acredita que a hora do transporte gratuito é agora. Isso porque, em meio a tantas reformas das quais a população é contra, esta seria uma mudança com apoio popular. Além de ser um direito Constitucional, conquista de 2015.

E a verba? Para ele, é tudo uma questão de disputa política. Durante o 42º Congresso da UBES, quando participou de uma mesa sobre Passe Livre, ele afirmou que o transporte público hoje é elitizado porque interessa ao “modo de produção” da sociedade brasileira. Ele explicou mais aos secundaristas, na conversa abaixo com o site da UBES. Recomendamos a leitura ao som de “A Volta pra Casa”, do Rincon Sapiência.

UBES: O senhor ainda acredita que a Tarifa Zero seja viável? Como seria possível?

Lúcio Gregori: Não é uma questão de acreditar, é uma questão de disputa política. Eu acredito que a disputa política vai levar a um momento em que a tarifa zero será viável. Curiosamente, Volta Redonda acaba de implantar um sistema de ônibus tarifa zero e só com ônibus elétricos. É uma iniciativa ligada ao comércio local, o que mostra que tarifa zero não é tudo isso que muita gente pensa e inclusive ajuda a economia da cidade.

Temos um momento curioso. O transporte como direito social foi incluído no artigo 6º da Constituição em setembro de 2015, por conta das manifestações de 2013. Para exercer um direito social, o poder público não pode ter nenhuma restrição, ou seja: no limite, não é possível a desculpa de que não tem dinheiro para pagar.

Ao contrário de outras mudanças, como muitas reformas do quadro político hoje, das quais muitas pessoas são contrárias, esta não é uma mudança defensiva. É o caso de ser a favor de uma disputa nova. Acho isso muito interessante.

UBES: Qual o papel da população na conquista da tarifa zero?

LG: A experiência que eu tive quando a gente lançou o projeto Tarifa Zero lá em 1990, no governo da Luiza Erundina em São Paulo, mostrou o seguinte: feito o anúncio do nosso projeto, que envolvia obviamente mais recurso da prefeitura, com uma reforma (no caso datada) dos impostos municipais, principalmente IPTU, foi feita uma pesquisa de opinião. Apenas 30% da população era a favor do projeto. Fizemos uma disputa na sociedade com filmes na TV, debates, entrevistas, durante meses… Entre 28 de setembro e o início de dezembro, o quando o projeto estava na Câmara para ser votado, uma nova pesquisa perguntou: Você é contra ou a favor da reforma tributária do IPTU? 76% eram a favor. E sobre a tarifa zero? 68% eram a favor… Isso mostra que se trata de uma disputa que o governo precisa fazer, colocar elementos de disputa.

UBES: Atualmente, a tarifa não só é cara como aumenta constantemente de valor. Essa é uma forma também de manter as pessoas afastadas dos centros de discussão?

LG: Não tenha dúvida. O transporte coletivo e a mobilidade desempenham três papéis na nossa sociedade. Primeiro, funcionar a economia. Por exemplo: se tem greve geral dos transportes, dois dias depois a cidade é um caos. Não funciona.

Segundo, desempenha papel de marginalizar, de segregação. É por meio do transporte que se segrega pessoas, seja por condição de renda, racial, etc. Além de outras questões, como a qualidade do serviço, a frequência, etc, a tarifa desempenha um papel importante nessa função segregadora.

Exemplo clássico dessa função segregadora é do Rio de Janeiro em 2015: um bando de jovens da zona norte estava no ônibus para ir à praia, quando ele teve o percurso interrompido pela PM, que, no fundo, proibiu a passagem.  

O terceiro papel é a reprodução de todo um imaginário da propaganda de automóvel. Uma imagem de que quem usa transporte público é um “perdedor”, pois os “vencedores” andam de carro.

UBES: O passe livre tem em alguns lugares, as vezes funciona, como funcionar de uma forma coerente …?

LG: O passe livre estudantil é um passo na direção do Tarifa Zero. Como toda questão política, não se consegue tudo de uma tacada só, mas o passe livre estudantil sem nenhuma restrição é algo nesse sentido. Isso desde que não seja o chamado “subsídio cruzado”, que é uma malandragem. Você cobra um pouquinho mais na tarifa de quem paga para bancar a gratuidade, o que é ruim porque estimula uma disputa.

O que acontece sistematicamente, como assistimos em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, é que se começa a restringir viagens, limitar horário… Fazendo com que aquele processo segregador possa atuar mesmo com o “passe livre”.

Tudo isso mostra uma enorme disputa política concentrada na questão da tarifa e do passe livre. É uma disputa política muito interessante porque muito reveladora das questões e mecanismos do nosso modo de produção.

UBES: Em relação a 30 anos atrás, quando o senhor era secretário dos Transportes de São Paulo, e hoje, o transporte público melhorou?

LG: É claro que tem avanços tecnológicos. Mas o fundamento básico do sistema não melhorou;. Tem mais ônibus porque tem mais gente, mas a qualidade em si no Brasil, de forma geral, é mais ou menos a mesma. Porque a função segregadora continua existindo.

Foto destaque: Léo Souza.