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Escola X Casa: Esses estudantes LGBTs contam onde se sentem mais seguros

No isolamento social, a orientação é ficar em casa. Só que para um estudante LGBT isso pode até garantir a segurança contra o coronavírus, mas não garante a segurança contra o preconceito. 

Com as escolas fechadas, muitos jovens LGBTs enfrentam dificuldades em ficar em casa com familiares que não aceitam sua orientação sexual ou identidade de gênero. Alguns até são respeitados, mas preferem a liberdade do colégio. 

A UBES já vem há anos debatendo a importância de discutir sexualidade nas escolas, como forma de quebrar preconceitos e acolher todos os estudantes. Na #SemanaDoOrgulhoLGBT, secundaristas contaram para a UBES um pouco sobre seus desafios em casa e os sonhos para depois que tudo isso passar.

A opressão familiar é uma realidade dos LGBTs e é comum que os familiares tomem atitudes mais drásticas por puro preconceito. Foi o caso da Nilta Moraes, de 18 anos, em que a família fez de tudo para que a estudante mudasse, achando que era uma fase que ia passar. Trocaram ela de escola, a levaram para a igreja e até de estado decidiram mudar. Hoje ela mora em São Luís (MA) e o isolamento social não facilitou sua vida.

“O que passo em casa piorou no isolamento social por ter que conviver 24 horas com a família. Em qualquer discussão, eu ouço algo só pelo fato de ser lésbica.”, conta Nilta.

Na escola também não houve acolhimento. A única vez que ela contou que era lésbica para uma coordenadora, colocaram uma regra proibindo abraços e proximidade entre meninas. A atitude lesbofóbica constrangeu e machucou Nilta. “Não é fácil ver que regras como essa foram impostas só por eu me assumir”, acrescenta ela que na época não tomou nenhuma providência por não saber o que fazer, pois tinha 14 anos.

“Tive que passar e superar os traumas sozinha. Minha família ainda não me aceita, apenas me respeita.”- Nilta Moraes de 18 anos.

A estudante Beatriz*, de 17 anos, passou pela mesma situação com a mãe achando que ela iria “voltar” a gostar de garotos, como se amar outra mulher fosse algum problema. A relação entre as duas melhorou quando a estudante trouxe sua primeira namorada pra casa. A mãe se deu bem com a garota e o assunto deixou de ser um problema entre elas, mas para o restante da família isso ainda é um tabu. 

“Apenas alguns primos próximos sabem e me apoiam, mas o resto da família é extremamente conservador e ainda existe preconceito. Por isso, ainda não pude me assumir tão abertamente”, diz Beatriz*.

A estudante conta que se sente mais segura onde estuda no IFSC, na região norte de Santa Catarina. Lá ela tem forças para ser quem é tanto com ajuda dos colegas quanto dos professores e outros profissionais. O medo da rejeição nos ciclos sociais é o que mais impede que estudantes LGBTs se libertem. Por isso, Beatriz* conta que tenta dar forças para outros estudantes que passam pela mesma situação que ela – que não é nada fácil.

“Meu sonho é ter a liberdade de poder amar outra mulher sem sofrer violência na rua ou pior, dentro da própria casa.” – Beatriz*, de 17 anos.

Em meio à tensão de poder viver em paz podendo existir como LGBT, muitos precisam sair de casa e encontrar outro lar. Foi o que aconteceu com o estudante Joaquim Gabriel da Silva, de 21 anos, que mora com amigos em Salvador (BA) e até hoje a família ainda não sabe de sua transição que aconteceu aos 18 anos. A decisão de viver com amigos é por estar num ambiente que o entendam e o respeitem, já que o que mais lhe afeta é o desrespeito quanto a sua identidade de gênero.

“A minha mãe ignora tudo que já conversei com ela e são raras as vezes que me trata no masculino”, explica Joaquim.

Ele se entendeu como homem trans aos 15 anos durante o ensino médio. Na escola, ele sentia falta de pessoas capacitadas para tratar sobre o assunto, explicar sobre identidade de gênero e falar sobre LGBTfobia e transfobia. Hoje ele estuda para entrar na universidade e se sente aliviado por ter encontrado uma família numa nova casa entre amigos.

“Eu quero que os meus filhos e netos colham as vitórias das lutas que enfrento hoje. Por isso quero cursar História na faculdade, para compartilhar conhecimento.” – Joaquim Gabriel da Silva de 21 anos.

Nem em casa nem na escola, o estudante Matheus Felix de 21 anos, que mora em Magé (RJ), se sente realmente acolhido. Apesar de sua família não ser tão conservadora, ela não o apoiou quando ele se assumiu, mas também não o impediu. Eles preferiram se distanciar desse fato, algo comum entre famílias que não querem aceitar a condição de seus filhos.

“Eu não recebi nenhum incentivo ou acolhimento em casa. A mesma coisa se repetiu na escola. As pessoas ainda acham que isso é uma escolha”, conta Matheus.

Mesmo não acolhendo o estudante LGBT como deveria, a escola ainda foi o espaço que Matheus encontrou forças para se identificar como homem gay. Isso aconteceu quando ele teve um professor abertamente homossexual, trouxe inspiração e virou uma chavinha na cabeça dele.

“Foi decisivo para eu me assumir ao ver um homem gay como professor, sendo uma referência numa sala de aula. Precisamos ocupar mais esses espaços e construir uma escola que liberte, não que reforce preconceitos.” – Matheus Felix de 21 anos.

Em Fortaleza (CE), Jade Beatriz de 18 anos encontrou na escola o espaço acolhedor que deveria ser em todo o país. Ela se sente segura como mulher bissexual lá, pois encontrou outros estudantes LGBTs como ela.

Jade passou por uma escola particular conservadora que a reprimia. Foi só quando ela se mudou para a pública que se entendeu como bi, já que tinha dificuldades para entender sua orientação sexual. Sua família teve dificuldade para aceitar no início, mas hoje ela se sente acolhida em casa também.

“A gente nunca sabe o que esperar de quem mora na nossa casa, mesmo da nossa família. Sempre temos medo de sofrer agressão, ser colocado pra fora de casa ou ser deixado de ser tratado como um membro da família por conta da orientação sexual”, afirma Jade.

Quando ela sofreu uma situação LGBTfóbica em casa, por conta de um tio que ofendeu ela e a namorada, o apoio da escola foi fundamental. Houve amparo de psicólogo e até da Secretaria de Educação. 

Jade é um exemplo de como a escola pode ajudar o estudante LGBT. Ao invés de reforçar preconceitos e LGBTfobia, a força dos amigos e da comunidade escolar pode construir um futuro totalmente diferente.

Por isso, o #OrgulhoLGBT é tão importante, para mostrar que não tem problema em amar ou ser quem a gente quiser. A Jade mesmo já está cheia de planos e estudando para a faculdade.

“Quero fazer Relações Internacionais para ajudar o país. Meu sonho é entrar na universidade desde pequena e quero que esse espaço seja para todas e todos.” – Jade Beatriz de 18 anos.

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*O nome foi trocado por Beatriz para preservar a identidade da entrevistada.