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Fernando Haddad: “Vamos expandir oportunidades ou ficar 20 anos congelados no tempo?”

(Foto: Fábio Bardella)

“Hoje o filho do pedreiro vira doutor. É isto que está em xeque.” A fala é do ex-ministro da Educação Fernando Haddad, um dos convidados do 3º Encontro Nacional de Grêmios, que reuniu centenas de líderes estudantis em Fortaleza, de 30 de janeiro a 1º de fevereiro. Além de participar da mesa “Reforma no Ensino Médio: Secundas resistem!” (veja como foi), ele conversou com o site da UBES sobre o cenário atual.

Segundo o professor universitário, a expansão de oportunidades na educação, uma conquista dos movimentos sociais, agora está ameaçada por “um projeto que não passou pelas urnas”. Além de se referir à PEC que pode congelar investimentos por duas décadas, ele fala da reforma do Ensino Médio definida pela Medida Provisória 746 (hoje PLV 34): “Várias interpretações podem ser feitas a partir do termo ‘flexibilizar’. Uma é fazer o currículo ir ao encontro de um estudante mais motivado. A outra é não ofertar disciplinas essenciais”.

Saiba como foi a mesa com participação de Fernando Haddad no 3º ENG

Leia a entrevista:

O ex-ministro durante mesa no 3º Encontro Nacional de Grêmios, na Universidade Federal do Ceará

O ex-ministro durante mesa no 3º Encontro Nacional de Grêmios, na Universidade Federal do Ceará

UBES: Qual a importância, na sua opinião, deste encontro que reúne lideranças secundaristas do Brasil todo?

Fernando Haddad: O momento exige muita reunião, reflexão e unidade. O Brasil está vivendo um momento muito delicado, com cortes de verbas na educação, o que vai afetar o futuro imediato e remoto. Para os próximos 20 anos, foi aprovada uma PEC muito delicada quanto ao financiamento. E uma reforma para o Ensino Médio muito pouco discutida está sendo aprovada a toque de caixa. A educação está num momento muito mais delicado do que no passado recente, quando sofreu um bum de oportunidades. É preciso muita cautela, serenidade e disposição para discutir e lutar pelos seus direitos.

UBES: A reforma atual do Ensino Médio dialoga, de certa forma, com ações que vinham sendo feitas na educação, como a organização por áreas do Enem. Quais são, então, os problemas dela?

Fernando Haddad: Esta reforma não só não precisava ser feita por Medida Provisória, como a parte boa dela já estava encaminhada no debate com os estudantes, como a questão da interdisciplinaridade. Agora, com o caminho apresentado, não vai representar uma mudança efetiva. Os passos precisavam ser dados de forma articulada entre Ensino Médio e Ensino Superior, em uma construção coletiva.

Imaginar que uma Medida Provisória vá representar os anseios de milhões de estudantes é um equívoco.

A parte boa da reforma estava encaminhada com os estudantes. Seria o caso de resgatar o fio da meada e dar novos passos na direção correta, não deixar inacabada uma reforma que pode precarizar ainda mais o Ensino Médio.

Tem várias leituras que podem ser feitas a partir do termo “flexibilizar”. Uma é fazer o currículo ir ao encontro de um estudante mais motivado. A outra é não ofertar disciplinas essenciais. Qual das duas interpretações será adotada?

Tem uma que os alunos querem. E a outra é o pavor dos estudantes: a precarização, que pode ter a “roupagem” de flexibilização.

UBES: Algumas medidas da sua gestão, como Enem, Sisu e Prouni, democratizaram o acesso a uma formação superior. Acha que a educação pública pode regredir neste aspecto?

Fernando Haddad: Todas as reformas que fizemos, começando pelo Reuni – a duplicação do parque de universidades públicas no País –, Prouni, reforma do Fies, Universidade Aberta, Instituto Federais, cotas, a reforma do Enem – que pôs fim ao vestibular em grande parte do País, foram reformas que visaram dar acesso aos filhos da classe trabalhadora, que pela primeira vez estão tirando seu diploma.

Aquele velho bordão “O filho do pedreiro vai virar doutor” é realidade. Isso está em xeque agora. Nós vamos continuar expandindo as oportunidades ou vamos ficar 20 anos congelados no tempo, em plena sociedade do conhecimento? Essa é a encruzilhada que o Brasil está agora, por um governo que não passou pelas urnas, com um programa que não passou pelas urnas.

Eu tenho muita esperança em vocês, secundaristas, pela disposição que já demonstraram e demonstram a cada dia em lutar por um Brasil melhor.

UBES: Como o senhor se sente ao participar de uma mesa aqui em Fortaleza com vários estudantes que hoje podem ter perspectivas diferentes de seus pais, avós e bisavós?

Fernando Haddad: Obviamente que fico muito envaidecido por ter participado deste momento histórico de expansão que o Brasil viveu. Mas eu fui um instrumento, como muitos outros, para lutas históricas do movimento estudantil, do movimento social. O fato de ter podido viabilizar isto me enche de satisfação, mas a luta é de vocês, de longa data, e vai se manter. Essas oportunidades vão se abrir de novo. Não vamos deixar fechar, agora, e depois vamos reabrir. Vocês engajados é que vão fazer o processo avançar.

Por Natália Pesciotta, de Fortaleza