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16 anos, negro, nordestino: Pedro Gorki é o novo presidente da UBES

Terminou neste sábado (2), em Goiânia, o 42º Congresso da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), a maior organização estudantil do país ao lado da UNE. Os milhares de estudantes do ensino fundamental, médio, técnico e preparatório escolheram Pedro Gorki, 16 anos, estudante do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, como presidente da entidade pelos próximos dois anos.

A chapa de Pedro, “Secundas Em luta, em defesa da educação e do Brasil” obteve 2.101 votos de um total de 2.513 delegados, representando 83,7% da votação, Também participaram a chapa “Oposição UBES na rua”, que obteve 391 dos votos, contabilizando 15,5%, e “Articulação de Esquerda”, com 21 dos votos, totalizando 0,8% do pleito.

O Congresso da UBES reuniu cerca de 10 mil estudantes do ensino fundamental, médio e técnico do Brasil na capital de Goiás desde a última quarta (29). Foram realizados mais de 10 debates, com mais de 60 convidados das áreas da política, cultura e dos movimentos sociais.

Em uma grande passeata, os estudantes marcaram a sua posição contra a censura nas escolas e o projeto da Escola Sem Partido. A UBES também definiu a oposição da juventude às reformas do governo de Michel Temer e a adesão à greve geral convocada pelas centrais sindicais para o próximo dia 5 de dezembro.

Pedro Gorki durante manifestação pelas ruas de Goiânia

Um menino com o coração nos olhos

Pedro Lucas Gorki, natural de Natal, Rio Grande do Norte, é desses adolescentes que parece sorrir com a mesma frequência que respira. Quando conversa com os outros, quase sempre sobre política, transmite um otimismo improvável para quem vive um dos momentos de maior descrédito da população no futuro do país. Sereno, voz doce e sotaque nordestino, emociona-se facilmente no meio de um assunto e não tem medo de que o interlocutor veja os seus olhos quando as lágrimas chegam. Porém, os que apostam na tese de uma pessoa frágil não sabem que ali na sua frente está um dos principais líderes da ocupação radical de escolas no Brasil nos últimos anos e agora presidente da maior organização de juventude secundarista de toda a América Latina.

Negro, com a idade de apenas 16, nascido em um bairro de pescadores e operários na periferia da capital potiguar, o novo presidente da UBES é um prato cheio para quem busca um cardápio de quebra de expectativas. A idade e o rosto indisfarçável de menino trazem a ideia de alguém ainda inexperiente na vida e na militância. No entanto, Gorki começou – inacreditavelmente – aos sete anos, quando falou em solidariedade às crianças palestinas em um ato de repúdio aos violentos ataques de Israel aos territórios ocupados no Oriente Médio, no ano de 2008. Na mesma época, batizou seu cachorro com o nome de Lênin e juntou-se a uma companheira da mesma idade em um projeto de fundação da União das Crianças Socialistas.

Os pais, embora atuantes no movimento sindical e na política de Natal, enfrentaram o desafio de lidar com a precocidade do filho. Quando Pedro tinha 11, foram chamados ao Colégio Nossa Senhora das Neves para ouvir a preocupação da coordenação com um livro encontrado com o menino. Era “Assim falava Zaratrusta”, do filósofo alemão Friedrich Nietzche. Aos 12, já estava lendo “Casa Grande e Senzala”, do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, falando no microfone durante greves, manifestações e participando ativamente das jornadas de junho de 2013 que mudaram o país. Naquela época, pediu à mãe para ficar acampado na ocupação da Câmara Municipal de Natal, mas o pedido foi negado.

Gorki em marcha contra lei da mordaça

Porém, em 2016, quando tinha 15 e o Brasil começava presenciar a explosão da resistência nas escolas contra o governo Temer, a Reforma do Ensino Médio e o desmonte na educação do país, as ocupações e Pedro iriam finalmente se encontrar. Ele planejou e liderou centenas de outros jovens na tomada do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, a maior instituição do gênero no estado. Em seguida, levou a mesma ação a dezenas de outras escolas da capital e transformou o Rio Grande do Norte em um dos pólos do movimento no país. A ação mais radical ainda estaria por vir: a ocupação da secretaria de Educação do estado, pelos estudantes, que tornou Gorki uma liderança nacional e chamou a atenção dos movimentos de juventude de todo o país. A ocupação durou dez dias e o grupo de Pedro conseguiu pressionar o governador Robinson Faria (PSD), que foi obrigado a se reunir e negociar com os estudantes.

A ocupação trouxe vitórias como a melhoria na rede pública estadual e a reconstrução da União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas de Natal (UMES), que estava desativada. Pedro foi eleito presidente da organização ainda no final de 2016 e, menos de um ano depois, já chegou a presidente da UBES, representando quase 50 milhões de estudantes brasileiros do ensino fundamental, médio, técnico e profissionalizante. “Acredito que a UBES é uma entidade histórica, que completa agora seus 70 anos e que já demonstrou com as ocupações que pode ser uma força capaz de mudar o jogo de forças no Brasil. Este será um novo período de muita luta nas escolas”, promete.

Entre as prioridades de Gorki está o combate à censura nas escolas, à lei da mordaça e projetos como o da Escola Sem Partido: “A sociedade brasileira está cansada e desanimada com tudo o que vem acontecendo. Em um momento assim, infelizmente aparecem projetos autoritários como esse, assim como foi na Alemanha antes do nazismo, na Itália antes do fascismo. Isso precisa ser combatido. A escola que queremos é democrática, transformadora, libertadora”, justifica. Ele também destaca a necessidade de revogar a PEC do congelamento dos investimentos públicos na educação e garantir o acesso dos jovens pobres à universidade.

Camila Lanes passa presidência para Pedro Gorki

Consciente de quem é, da sua cor e de onde veio, Pedro se lembra de apenas um momento quando a mansidão e a calma do seu temperamento ferveram e entornaram o caldo. Com um soco, atingiu um colega de escola que o chamou de “negro imundo”. Chegou a se arrepender, chorar e receber o pedido de desculpas do garoto nos dias seguintes, mas fortaleceu as suas convicções na luta contra o racismo no Brasil. Assumindo a UBES após três meninas na sequência (Manuela Braga, Bárbara Melo e Camila Lanes), ele diz que busca entender cada vez mais as conseqüências do machismo na sociedade e o desafio da igualdade entre os gêneros. Afirma que fará uma gestão com ampla participação feminina e LGBT.

Por incrível que pareça, Pedro ainda é um jovem normal, interessado em se divertir e aproveitar a sua idade. É apaixonado por futebol e torcedor aguerrido do América –RN, que hoje disputa a série D do campeonato brasileiro.Vai ao cinema e também assiste a seriados em casa, é fã de literatura e possui mais livros do que roupas no armário. Na música, gosta de muita coisa, do rock à MPB. Tem como um dos ídolos o cearense Belchior, cuja morte lamentou em 2017. É dele a autoria de uma das frases favoritas de Pedro: “Amar e mudar as coisas me interessa mais.” A partir de hoje, o que interessa a esse menino também interessa ao futuro de toda a juventude Brasil.

Por Artênius Daniel, de Goiânia.
Fotos: Nilmar Lage, Léo Souza e Gui Silva.

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