Após disputar as eleições presidenciais em 2018, Ciro Gomes (PDT) foi um dos convidados mais aguardados do encontro estudantil de Salvador na última semana, que reuniu mais de 6 mil secundaristas, universitários e pós-graduandos.
Ele participou no dia 7 de fevereiro de um debate acalorado sobre os desafios atuais para o desenvolvimento brasileiro e chegou até a discutir com parte do público estudantil, por divergências políticas. Pouco antes, respondeu às perguntas abaixo para a UBES, UNE e ANPG.
Quarenta anos depois de frequentar, como universitário, a mostra estudantil Massafeira, em Fortaleza, ele festejou encontros de estudantes como espaço de reflexão da sociedade. E comparou seu período em salas de aula, durante a Ditadura Militar (1964-1985), com a atualidade: “Naquela época o inimigo era fácil de ser identificado, era como se você tivesse que correr atrás de um ovo vestido de laranja”.
Qual a importância de um evento como esse ser organizado logo no começo desse novo governo?
Ciro Gomes: Primeiro nós precisamos entender a extensão e a gravidade da nossa derrota. É humilhante mas é basicamente a constatação que vai nos preparar para organizar a virada. Essa virada não será feita pelo caminho tradicional da política, mesmo que pelos partidos de esquerda. Isso será feito a partir de uma reflexão profunda que a sociedade, pelos seus membros mais sensíveis, vai começar a fazer pela sua juventude estudantil. Nós precisamos ter clareza dentro da realidade popular do país. Há muitas distorções de referência pois não é mais fácil identificar o inimigo, como foi na minha geração.
O identitarismo não é a solução, embora hajam valores graves a serem defendidos. A pauta não responde ao drama da pobreza versus a velha luta de classes. Hoje só os estudantes têm condições de fazer esse debate, pois o campo progressista está profundamente dividido por questões graves, complexas e precisamos, ainda que fraternal e respeitosamente, eliminar essas diferenças a esses nervos expostos da sociedade.
O atual Ministério da Educação acredita numa suposta doutrinação ideológica que deve ser combatida como prioridade da pasta. O que acha disso?
Ciro: Para a nossa felicidade dentro dessa tragédia, eles são energúmenos. Essa é uma palavra que não se usa mais. Estou tirando do baú pois não há outra característica para esse ministro da Educação e seu chefe.
Eu tinha um velho amigo que dizia que a educação depende basicamente de um primário bem feito. Eles não vão conseguir evitar que o primário seja bem feito pelo povo brasileiro. Eu sou de uma geração que teve, por força da ditadura, esse mesmo tipo de coisa [que o governo atual defende]. Tínhamos aula de Educação Moral e Cívica. E aquilo acabou servindo para que eu fosse mais progressista ainda. Eles não vão conseguir converter milhões de professores brasileiros para essa estupidez.
Tínhamos aula de Educação Moral e Cívica. E aquilo acabou servindo para que eu fosse mais progressista ainda.
O que significa respeitar o resultado das urnas e ao mesmo tempo resistir?
Ciro: Respeitar o resultado das urnas é uma inerência que exaure em si mesma. Ganhou, toma posse. A partir daí, cada um vai cumprir o papel que a sociedade lhe deu. Mais de 14 milhões de brasileiros me deram um papel de fiscalizar e cobrar.
O que eu acho, entretanto, é que a gente não pode aceitar a miudice que eles gostariam. Então a ministra não sei das quantas, que, francamente, às vezes me dá pânico, coloca em debate a cor da roupa das crianças. Eu me recuso [a discutir]. Pois isso não consulta em nenhuma das questões com que estamos preocupados: emprego, salário, violência, saúde, inadimplência no SPC, déficit público, crise da previdência, etc. A gente não pode entrar nessa. O que podemos fazer? Em homenagem aos eleitores, é dar um tempo. Deixa o cara se enrolar. Deixa dizer a que veio. Aos 100 dias, vou convocar a imprensa brasileira e oferecer um painel objetivo.
Na sua juventude você participou de mostras estudantis em universidade, como a Massafeira no Ceará. O que você ainda tem do estudante daqueles anos?
Ciro: Tudo! Eu ainda sou um velho que não envelhece. Meu espírito é de estudante. Meu espírito é de revolta, de insurgência, que eu adquiri nesse tempo. Menos ansiedade, mais capacidade de ver lá na frente, que só vem com o tempo. Mas talvez meu espírito seja mais revolto ainda. Porque naquela época o inimigo era fácil de ser identificado, era como se você tivesse que correr atrás de um ovo vestido de laranja, uma cor que até os daltônicos enxergam, como é meu caso.
Hoje, você pode defender, por exemplo, os direitos dos animais domésticos, como fez o deputado mais votado no Ceará. Uma causa muito simpática, mas no que consulta na questão de classe, na pobreza, miséria, falta de acesso à segurança, saúde, educação? Talvez o maior desafio hoje seja esse, não aceitar essas sequelas neoliberais. E recuperar a ideia de superação da miséria, identificando caminhos concretos que possam fazer com que essa ascensão social possa acontecer.