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50 ANOS DO AI-5: “1968 não acaba de não acabar”

Cinquenta anos atrás, em 13 de dezembro de 1968, o regime militar escancarava a ditadura com a publicação do Ato Institucional número 5 (AI-5). A partir daí ninguém tinha mais o direito de se reunir e se expressar, o presidente podia fechar o Congresso quando quisesse (aconteceu duas vezes), cassar qualquer parlamentar (aconteceu dezenas de vezes), além de que toda notícia e produto cultural precisava passar pela censura.

Para o jornalista e escritor Zuenir Ventura, isso fez com que o agitado ano de 1968 “não terminasse”, mas sim fosse interrompido abruptamente. Ele escreveu 30 anos atrás o livro “1968: O ano que não terminou”, sobre o clima, os sonhos, a juventude e os bastidores daquele período de utopias, encerrado drasticamente. Em entrevista à UBES, ele diz que o ano ainda não acabou de acabar, tamanho o interesse que atrai.

O livro, relançado em 2018, mostra o clima, os sonhos e os bastidores de um ano suspenso pelo AI-5

Zuenir teve a obra reeditada em 2018 e não para de ser procurado para opinar. “Os acontecimentos daquele ano reverberam tanto que não consigo falar de outra coisa”, brinca.

Muita coisa aconteceu no Brasil em 1968, ano intenso no mundo todo: a morte do estudante Edson Luís, passeata dos Cem Mil, muitos protestos, a Sexta-Feira Sangrenta, com estudantes espancados e, por fim, a “ressaca” do Ato Institucional número 5, que vigorou por 17 anos sombrios.

“Digamos que um dos efeitos da ditadura foi apagar temporariamente as utopias”, analisa Zuenir.

Por e-mail, o autor e membro da Academia Brasileira de Letras respondeu algumas perguntas para os estudantes brasileiros, entre compromissos, uma viagem e uma consulta médica. “Só mesmo o respeito que tenho pela UBES me faz arranjar tempo”, escreveu na mensagem.

Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968, no Rio de Janeiro

UBES: Como explicar para alguém que defende o período da ditadura o que foi viver o AI-5?

Zuenir Ventura: Essa resposta pode ser dada em números. Viver sob o AI-5 foi viver sem poder ter acesso a 500 filmes, 450 peças de teatro, 200 títulos de livros, incontáveis programas de rádio, 100 revistas, mais de 500 letras de músicas e uma dúzia de capítulo e sinopses de telenovelas, todos rigorosamente censurados. Em suma, viver sob o AI-5 era viver num deserto cultural.

“Viver sob o AI-5 era viver num deserto cultural”

Cena da peça Roda Viva, escrita por Chico Buarque e dirigida por Zé Celso Correa, censurada em dezembro de 1968

UBES: O senhor chegou a ser preso após o AI-5. Muitos dizem que só teve problemas quem fazia coisas erradas…

Zuenir: Fiquei preso por três meses [sem julgamento nem acusação formal] sem ter feito nada de errado. Era um professor e jornalista, casado, pai de dois filhos e que nunca pertenceu a partido político. (Aliás, sempre defendi que jornalista não deve se filiar a partido ou ter militância política.)

Como vivíamos uma situação limite – um país amordaçado, sem habeas corpus, com tortura, sem Congresso e imprensa livres – fiz coisas que não faria em situação normal, como emprestar o carro para dar fuga a perseguidos pela repressão, esconder em casa políticos [considerados] subversivos, como fiz com Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas.

UBES: Acredita que ainda hoje os acontecimentos daquele ano reverberam?

Zuenir: Reverberam tanto que não tenho sossego (rs). Não consigo falar de outra coisa. 1968 não acaba de não acabar. Acho que esse interesse demonstra que foi um ano muito especial.

O sociólogo francês Edgar Morin disse em 1968 que iam ser precisos muitos e muitos anos para se entender o que estava acontecendo. Cinquenta anos parece que não foram suficientes para ele sair de cena. Pode ter havido ouro igual ou mais importante, porém nenhum tão lembrado, discutido e com tanta disposição de permanecer como referência, por afinidade ou por contraste.

Morte do estudante Edson Luís, em março de 1968: um dos acontecimentos marcantes do ano

UBES: Seu livro sobre 1968 mostra uma sociedade muito polarizada, uma oposição grande entre jovens e artistas engajados, de um lado, e uma classe média empenhada na defesa dos costumes, de outro. Este ano de 2018 te lembra este cenário?

Zuenir: Uma pergunta que me tem sido feita é se 2018 vai repetir 1968 – em que esses anos se parecem e em que se diferenciam. Começando pela diferença, a principal é que hoje há democracia – imperfeita, incompleta, tudo o que sabemos, mas democracia, que é, como dizia o grande [ex-primeiro-ministro britânico] Churchill, “o pior dos sistemas com exceção dos outros”.

A semelhança é que o país se encontra também dividido. A direita ganhou respeitando as regras do jogo democrático. Não há o que contestar. O problema é que o presidente eleito, ao mesmo tempo em que faz promessas de respeito à democracia, não se desfaz de declarações anti-democráticas feitas recentemente como a de que o “erro da ditadura foi torturar e não matar”. Ou a de que “devia ter fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar por Fernando Henrique Cardoso”.

“O problema é que o presidente eleito não se desfaz de declarações anti-democráticas feitas recentemente”

Perseguição a estudante na Sexta-Feira Sangrenta, em maio de 1968 (Evandro Teixeira)

UBES: O livro descreve uma juventude cheia de ideais e sonhos coletivos. A seu ver, a partir do desenrolar dos fatos, o AI-5 conseguiu apagar estas utopias de parte da sociedade?

Zuenir: Digamos que um dos efeitos da ditadura foi apagar temporariamente as utopias. Vivemos hoje o tempo das distopias, que são, como se sabe, o contrário. Mas elas, as utopias, voltarão. O ser humano não vive sem sonhos.